quarta-feira, 14 de março de 2012

Encontros

Para meu pai, o Nezo, com amor


Na última semana completou-se um ano que meu pai decidiu partir de nosso convívio. Embora escrever seja uma das atividades que mais me dão prazer, pouco escrevi sobre sua morte. Talvez, porque a morte seja algo difícil de se racionalizar, pelo menos para mim. Espero que ao ler esse texto você não me tome por cético. É que todas as diversas concepções de morte, ou destino da alma, exigem algum grau de organização cósmica, modelo, padrão, que nada me dizem, não me afetam, não me tocam; o que é muito diferente de nada sentir.

Sinto constantemente a presença de meu velho, nos pequenos detalhes, nas lembranças, naquilo que tínhamos em comum e também, porque não dizê-lo, nas diferenças.

Lembro, por exemplo, quando certa vez ele chegou do trabalho e me disse, estendendo uma fita k7 na minha direção: "filho, ouça isso!". Eu devia ter uns 13 anos.

Era uma fita do Milton, o Nascimento. Ouvi como um louco, me apaixonei. Era uma coletânea intitulada A Arte de Milton Nascimento.



Certa vez ele me disse que um amigo estava justificando a suposta falta de interesse dos jovens em artistas mais 'antigos', citando o próprio Milton: "esses caras não são interessantes; é tudo arcaico, por isso, os jovens não gostam deles". Ao que meu pai respondeu, orgulhoso: "Ah, mas meu filho gosta muito!"

Quatro meses após sua morte, me vi pela primeira vez na linda cidade de Ouro Preto. Fui até lá sozinho, mas encontrei pessoas maravilhosas com quem passei ótimos momentos. Fui ao Festival de Inverno que acontece anualmente na região. Em uma noite muito fria, fazia menos de 10 graus, fomos à cidade vizinha de Mariana. Na praça ao lado da estação ferroviária, uma pequena multidão se aglomerava, em frente a um palco.



Naquele noite, vi pela primeira vez um show do Milton. Chorando como nunca, naquela região cheia de histórias de nosso país, ouvindo uma voz quase divina, senti uma paz extraordinária. Senti meu pai. Senti, e aqui não me preocupo em ser coerente, que morte e vida são faces da mesma moeda; que somos um aglomerado desses encontros de sangue, ossos, carne, pessoas, fitas k7, cidades, vozes, música...

Entendi que o divino está no encontro e sou muito grato por isso; grato ao meu pai, grato ao Milton, aos meus amigos; à vida.


"Toda vida existe pra iluminar
o caminho de outras vidas que a gente encontrar
homem algum será deserto ou ilha
como não pode o rio negar o mar"
Filho, por Milton Nascimento e Fernando Brant.

3 comentários:

Patrick Gomes disse...

Muito bonito isso.

Anônimo disse...

:)

Anônimo disse...

Muito bonito, fiquei emocionada...Marisa Monte, falando sobre Cássia Eller, no show que assisti, disse que saudade não é sentir falta, mas sim a presença. Aquele show foi memorável e muito emocionante para mim também! è uma alegria ter lhe conhecido nos caminhos da vida...Beijo!